Nadar no Tietê, banho no Capibaribe: tecnologia pode salvar rios poluídos?

14/03/2022

[Conteúdo original Tilt UOL. Autoria de Rosália Vasconcelos, publicado em 11/03/2022.]

Imagine poder tomar banho e nadar em qualquer trecho do rio Tietê, em São Paulo, ou no rio Capibaribe, no Recife. Parece uma realidade distante, mas especialistas afirmam que até mesmo cursos de água extremamente poluídos ao ponto de não terem vida —como aqueles localizados em grandes centros urbanos— são passíveis de ser recuperados.

Com o uso de tecnologia, vontade política e educação ambiental, em uma ou duas décadas seria possível, por exemplo, mergulhar, com segurança, no rio Tietê. E como isso poderia ser feito?

Segundo Caio Scheidegger, pesquisador do Ip.rec (Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife) e mestre em gestão ambiental, a tendência no mundo é investir em bioengenharia e tecnologias naturais, que utilizam os próprios sistemas vivos, para recuperar o meio ambiente. Renaturalizar os cursos de rios e riachos urbanos e implementar sistemas descentralizados de saneamento sanitário também têm sido importantes estratégias adotadas.

“As cidades brasileiras não convivem bem com seus corpos d’água e com os remanescentes de vegetação. A lógica de grandes obras que tentam moldar a natureza tem se mostrado ineficiente. É só lembrar o que aconteceu recentemente em São Paulo com o Tietê e as obras do Metrô [uma cratera se abriu]”, diz Scheidegger.

Muitos locais no mundo caminham no sentido oposto ao que ainda vem sendo adotado em cidades brasileiras, segundo o entrevistado. Ele destaca que as tecnologias que vêm sendo adotadas são para tentar reverter a extensa urbanização e seus efeitos nos leitos dos rios.

“Uma ação pontual para limpeza da água não resolve o problema e gasta muito dinheiro público. A tecnologia precisa ser implementada dentro de um projeto sistêmico e abrangente”, ressalta o gestor ambiental.

Exemplos de boas iniciativas fora do Brasil

Foi o que aconteceu, por exemplo, no rio Tâmisa, na Inglaterra, que saiu de um processo de extrema degradação —com poluição de metais pesados— para uma situação de balneabilidade.

O rio Han, na Coreia do Sul, era tão sujo que, assim como o Tietê, estava classificado com um curso d’água difícil de ser recuperado. Mas um projeto ambicioso, que envolvia não apenas a dragagem das águas, como também tecnologias eficientes de esgotamento sanitário, reconstrução de mata ciliar e limpeza de metais pesados, conseguiu trazer vida novamente ao ecossistema hídrico.

Atualmente os projetos mais bem-sucedidos de despoluição dos rios estão sendo no sentido de reverter a ação humana.

Tratamento com casca de laranja e sangue de boi

As ações positivas não estão restritas apenas a exemplos estrangeiros. Em Afogados da Ingazeira, no sertão de Pernambuco, o projeto Sistema de Reuso de Água transforma esgoto em água rica em nutrientes. O projeto usa um tratamento biológico com bactérias de decomposição, cascas de laranja e sangue de boi. Com a ação, aproximadamente 50 m³ de efluentes (resíduos poluentes) deixaram de ser despejados no rio da cidade.

Segundo o coordenador de engenharia e meio ambiente do Inciti (Pesquisa e Inovação para as Cidades), Djair Falcão, essa tecnologia aplicada no sertão pernambucano pode ser ampliada de forma a filtrar a água de esgotos e devolvê-la limpa para os rios. É de baixo custo e replicável.

“Estamos num momento de aprender com a natureza. As biossoluções são eficientes aliadas aos processos de renaturalizar [remover o revestimento de concreto e reimplantar a mata ciliar dos cursos d’água] rios e riachos”, diz Falcão, que também é coordenador de recursos hídricos da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) em Pernambuco.

Os jardins filtrantes

Os jardins filtrantes são outra tecnologia baseada na natureza e vem sendo implantada no Riacho do Cavouco, no Recife. Essa técnica, que já foi utilizada para despoluir o rio Sena, em Paris, usa a capacidade fitorremediadora [agentes purificadores] de plantas aquáticas —como a aguapé— para realizar um processo de filtragem da poluição.

Segundo a arquiteta, urbanista e diretora de projetos que está à frente dos jardins filtrantes no Recife, Mariana Pontes, além da melhoria da qualidade da água, essa tecnologia é um elemento paisagístico que auxilia na promoção da educação ambiental, uma vez que coloca a população para vivenciar o processo de filtragem, além ser um elemento de ampliação das áreas verdes.

“Um dos desafios encontrados para utilização extensa dessa tecnologia ainda é o valor do investimento. Para se ter uma ideia, o jardim filtrante que será implantado no Recife custará aproximadamente R$ 4,5 milhões”, diz.

No entanto, a medida deve ser acompanhada de outros projetos de infraestrutura residencial, como a construção de Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) em condomínios e apartamentos, uma vez que o aumento da densidade populacional nestas regiões pode gerar um volume de dejetos maior do que o suportado.

O lado ruim da Baía de Guanabara

Como deu para ver até aqui, tecnologias diversas para limpar as águas dos rios já existem. Mas sozinhas não resolvem se não estiverem integradas a outras igualmente importantes no processo de saneamento ambiental (drenagem urbana, esgoto, lixo, agrotóxicos) e a políticas públicas para evitar que as águas fluviais voltem a se contaminar.

Uma das técnicas mais baratas, por exemplo, para tratar esgotos domésticos são as lagoas de decantação, mas requer áreas imensas. Edgard Faust Filho, diretor da Abes, lembra que os esgotos domésticos são extremamente agressivos às águas fluviais.

São milhões de metros cúbicos de detergentes e outros produtos químicos de limpeza despejados no rio, além da poluição provocada pelo consumo de medicamentos, cujas substâncias são liberadas na urina humana. Atualmente as estações não tratam esses tipos de poluentes.

“A tecnologia é um fator fundamental na despoluição dos rios, mas mais importante ainda é a continuidade das políticas públicas. Porque a tecnologia, aplicada de forma isolada, não resolve”, diz Faust.

A bióloga Elaine Nunes, do Centro de Referência para a Recuperação em Áreas Degradadas da Caatinga (CRAD), da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), dá como exemplo a situação da Baía da Guanabara.

“Foram 23 anos, sete governos, R$ 3 bilhões gastos e a água continua poluída com grande quantidade de lixo residencial e dejetos industriais”, afirma Nunes. Ela ressalta que a ineficiência dessa operação não tem sido falha das tecnologias. Falta a construção de novos paradigmas, conclui.


Conteúdo republicado do canal Uol Tilt. Autoria de Rosália Vasconcelos, publicado originalmente em 11/03/2022. Acesse a matéria original clicando aqui.

Imagem em destaque: Projeção Jardins Filtrantes, Recife.